Promethea no Reino de Thot-Hermes e O poder da Palavra
por Octavio Aragão
Um Golem para Mr. Moore
O Hermes de Moore é sedutor, melífluo, enganador. Uma entidade feita de ouro e para quem as leis da física se dobram, podendo estar representado em movimentos variados dentro de um mesmo requadro. O deus se expressa em estrofes e, num tom apocalítico, dissemina os preceitos cabalísticos enquanto introduz a mini-série:
A princesa Glorianna, filha da deusa grega Deméter, nada mais era que um clone indisfarçado da Mulher Maravilha, da DC Comics, com sua ilha povoada apenas por mulheres e poderes muito semelhantes à personagem original. Moore repetiu a fórmula bem sucedida com Supreme, assumindo a semelhança entre as duas mas transcendendo a mera cópia ao acrescentar elementos mitológicos, mais ou menos como Stan Lee e Jack Kirby fizeram em Thor, durante a década de 60. Glory passou a ter uma vida dupla: de dia garçonete de beira de estrada; à noite, princesa guerreira trajando uma escandalosa roupa-armadura colante. Mas a obviedade termina por aí, já que Gloria West, a garçonete, acredita que "sonha" ser Glory, a deusa. Nada de identidades secretas ou cabines telefônicas para essa heroína, mas a constante dúvida a respeito da própria sanidade. Glory surge quando necessitada e trata Gloria como uma mera casca, um disfarce útil para seus momentos na Terra, quando não está no reino de sua mãe Deméter ou visitando o pai, o demônio Silverfall.
por Octavio Aragão
Um Golem para Mr. Moore
Há um bom motivo para que os cânticos religiosos e as rezas sejam entoadas em voz alta. Segundo a Cabala[1], energias cósmicas entrariam em movimento assim que certos sons fossem proferidos por voz humana, transformando a realidade em massa moldável e nossa vontade em espátula capaz de formatar o continuum. Já é público e notório para os leitores tradicionais deste site que Alan Moore tomou uma decisão radical no momento em que completou 40 anos: optou por estudar esoterismo, mais especificamentea magia das palavras, em lugar de sofrer uma crise de meia-idade. Para quem acompanha o trabalho do roteirista de Northampton, tais influências ficam claras em algumas das séries mais recentes produzidas para o mercado norte-americano, mais especificamente a mini Judgement Day, de 1997, para a Awesome Entertainment, Glory, lançada incompleta pela Avatar Press em 2001, e Promethea, ainda publicada pelo selo America's Best Comics, da DC, onde o escritor aproveita o imaginário dos super-heróis para fundamentar uma série de conceitos que mergulham fundo em referências místicas, cruzando técnica narrativa e um certo didatismo cabalístico numa mistura nem sempre agradável ao grande público, acostumado ao imediatismo maniqueísta dos vilões monomaníacos e dos protagonistas bidimensionais.
Apesar de nutrir certa simpatia sociológica pelos colantes coloridos e de já ter feito um bom dinheiro graças a eles, Moore mantém um saudável pé atrás quando se vê obrigado a atuar no mercado estadunidense. Não é de se estranhar, já que, aparentemente, o autor havia dado sua última palavra ao gênero com a muito falada série Watchmen, sem contar com as anteriores Miracleman, V de Vendetta e Captain Britain, mas pode-se dizer que
Moore recebeu uma proposta faustiana, ao ser convidado pelo polêmico Rob Liefeld, - ilustrador americano de qualidades dúbias em termos de desenho e narrativa mas dono de um disposição empreendedora digna de nota - , para construir do zero todo um universo ficcional para o selo Extreme, da editora Image Comics.
A Extreme era um golem feito de barro[2] e a proposta, no mínimo, constrangedora. Apenas alguém sem auto-crítica poderia convidar um dos maiores roteiristas dos quadrinhos do mundo para assumir uma editora cheia de personagens derivativos como Supreme, claramente uma cópia do Super-Homem, da DC Comics, e Badrock, um homem de pedra baseado no Coisa, da Marvel, onde Liefeld trabalhou durante muito tempo e tornou-se um jovem astro. Moore, porém, gosta de golens, principalmente quando permitem que ele escreva a palavra Emeth[3] na testa do monstro e sopre vida em suas narinas.
O Deus da Mentira e o Livro de Todas as Histórias
Moore assumiu Supreme a partir do número 41 e transformou a série num sucesso de crítica, com indicações ao prêmio Eisner e comentários elogiosos de seus pares, como Neil Gaiman, se referindo às hqs de super-heróis:
"(...) existem as narrativas mais ou menos pulp que são feitas à toque de caixa por profissionais que estão dando o melhor de si, ou não. (...) Mas há preciosas exceções - Supreme, de Alan Moore, um exercício de reescritura dos 50 anos do Superman visando torná-lo em algo que valha a pena." [4]
Com tanta repercussão positiva, Rob Liefeld ignorou as baixas vendas da série e oficializou o convite a Moore para que esse assumisse todos os títulos da editora, rebatizada como Awesome Entertainment, com uma minissérie de abertura. A idéia do desenhista era uma megasaga que reunisse todos os personagens da antiga Extreme, coalhada de mortes e cenas de impacto, sob o nome de Judgement Day. É sempre bom lembrar que na época a dupla formada por Mark Waid, texto, e Alex Ross, arte, havia acabado de anunciar outra série mais ou menos no mesmo formato para a DC batizada de Kingdom Come. Não é difícil imaginar de onde Liefeld tirou a idéia para seu Gotterdamerung [5] particular...Moore, como era de se esperar, odiou e acrescentou que, se fosse obrigado a escrever uma cópia de Crise nas Infinitas Terras, romperia o contrato com a Awesome. Porém, se tivesse liberdade para desenvolver o conceito embutido no título Judgement Day, poderia pensar em alguma coisa. Liefeld, num rasgo de bom-senso, deu carta branca ao escritor e este desenvolveu um script retratando uma espécie de julgamento de O. J. Simpson versão super-herói.
O plot, basicamente, era o seguinte: no início dos tempos, o deus Hermes[6] concebeu um tomo que tornaria real tudo aquilo que se escrevesse em suas páginas. O livro indestrutível passou de mãos em mãos através dos séculos, sendo sempre manipulado por seus portadores - vilões ou heróis - que visavam lucro pessoal. Uma das características interessantes do volume era que a realidade poderia ser alterada retroativamente caso se arrancasse páginas ou se apagasse escritos anteriores e, usando esse truque como recurso narrativo, Moore emprestou uma profundidade insuspeita aos personagens bidimensionais de Liefeld, tornando-os maquiavélicos, conspiradores, egoistas e icônicos, sendo capazes de assassinar uns aos outros para deter a posse do livro.
Além disso, criou toda uma mitologia para formatar o universo, povoando-o com bárbaros celtas, cavaleiros andantes, caubóis renegados, selvagens a la Tarzan e soldados da Segunda Guerra Mundial.
Mas o tempero principal de Judgement Day era a utilização de preceitos de Cabala inseridos na história. Ao apresentar Hermes, deus grego da comunicação, do verbo e, não coincidentemente, dos ladrões e das mentiras, como o principal narrador da saga, Moore abriu a caixa de Trismegisto[7] aos fãs de quadrinhos, fazendo uma ponte insuspeita entre magia e técnica literária. Hermes serve como contraponto e encarnação da própria história, a Cabala personificada, verbo feito personagem, com carne de papel e pele de nankim. É sempre bom lembrar que, em grego, hermes significa "intérprete" e daí deriva a ciência da hermenêutica, além da denominação do hermetismo, raiz de todo ocultismo.
O Hermes de Moore é sedutor, melífluo, enganador. Uma entidade feita de ouro e para quem as leis da física se dobram, podendo estar representado em movimentos variados dentro de um mesmo requadro. O deus se expressa em estrofes e, num tom apocalítico, dissemina os preceitos cabalísticos enquanto introduz a mini-série:
"Frantic we Thumb our Memories, Stage by Stage,
For some Clue Overlooked Upon the Way
For some Clue Overlooked Upon the Way
Yet Read on, Line by Line, Page after Page,
To our Denouement; to our Judgement Day.
Spellbound, Forget Amidst the Laughs and Thrills
That Words may Change a World......
Essa, porém, não será a última vez que Alan Moore utilizará Hermes como seu porta-voz. Ainda há muitas histórias a contar.
As Raízes e as Ramificações de Todos os Mundos Possíveis
O conceito da "árvore da vida" que serve como esteio do mundo é uma constante em várias mitologias e, além disso, um dos conceitos básicos da Cabala. Yggdrasil, a árvore nórdica cuja seiva alimenta os deuses e que sustenta Asgard sobre seus ramos[9], é o conceito sobre o qual Alan Moore estruturou a série Glory, originalmente desenvolvida para a Awesome em 1997, mas apenas publicada em 2001,pela Avatar Press.
A princesa Glorianna, filha da deusa grega Deméter, nada mais era que um clone indisfarçado da Mulher Maravilha, da DC Comics, com sua ilha povoada apenas por mulheres e poderes muito semelhantes à personagem original. Moore repetiu a fórmula bem sucedida com Supreme, assumindo a semelhança entre as duas mas transcendendo a mera cópia ao acrescentar elementos mitológicos, mais ou menos como Stan Lee e Jack Kirby fizeram em Thor, durante a década de 60. Glory passou a ter uma vida dupla: de dia garçonete de beira de estrada; à noite, princesa guerreira trajando uma escandalosa roupa-armadura colante. Mas a obviedade termina por aí, já que Gloria West, a garçonete, acredita que "sonha" ser Glory, a deusa. Nada de identidades secretas ou cabines telefônicas para essa heroína, mas a constante dúvida a respeito da própria sanidade. Glory surge quando necessitada e trata Gloria como uma mera casca, um disfarce útil para seus momentos na Terra, quando não está no reino de sua mãe Deméter ou visitando o pai, o demônio Silverfall.
Moore estabelece Ultima Thule, o reino de Deméter, Ceres, Geb e outras divindades ligadas ao elemento terra, no patamar inferior da árvore da vida, como se Yggdrasil fosse um imenso edifício onde cada andar abrigasse uma esfera de influência elemental relativa aos vários níveis de percepção da realidade. Imediatamente acima de Ultima Thule, está a Esfera Lunar, relativa à inconsciência, aos sonhos, à fantasia, governada por Selene, Diana, Ártemis e outras deusas ligadas à Lua, e logo seguida pela Terra da Magia, da linguagem, da ciência, da comunicação, sob a batuta de, sim, ele de novo, Hermes, Thot e Odin. Na seqüência, vem o Reino do Amor e das Emoções, território de Vênus, Afrodite, Nike e todas as divindades oriundas da paixão dos sentidos; sucedido pelo lar de Apolo, Horus, Baldur, Osiris e Jesus, as divindades solares. Trata-se do Reino do Espírito, da Unidade, sobreposto pela morada de Marte, Ares e Tyr, os deuses da guerra e do conflito, e pelas terras gerenciadas Júpiter, Thor, Indra e Jove, o território das figuras paternas, do casamento bem-sucedido entre matéria e espírito.
Sobre todos esses feudos espirituais vem o Abismo, e após, as últimas três esferas, sendo que a mais alta de todas é a morada de Yaveh, do Allah islâmico, de todas as divindades supremas, os Deuses Vivos das religiões monoteístas. A árvore da vida ainda abrigaria sobre suas raízes, as terras das sombras, os Hades/Infernos/Submundos, de onde veio o pai de Glory, Silverfall. O governo deste mundo que não é necessariamente mau ficaria sob o encargo de Plutão, Hades e outras divindades sombrias, e margeando tudo ainda haveria lugar para um imenso corpo de água, "Chromoceano", rio de luz presente em várias culturas.
Esse cenário amplo e detalhado serviria como manancial quase inesgotável para várias histórias de Glory, mas, infelizmente, a série foi interrompida no número três, sem previsão de continuidade por causa das baixas vendas, mas Moore não abandonaria um trabalho tão complexo que, obviamente, exigiu muita pesquisa e concentração, guardando-o para o futuro.
Esse futuro chegou em 1999, encarnado em Promethea.
A Outra Volta do Caduceu
Com a falência definitiva de Liefeld e da Awesome em 1998, Alan Moore descobriu-se cheio de novos conceitos, projetos inéditos e cercado por jovens ilustradores talentosos e ansiosos para trabalhar em parceria com ele, mas sem um meio para desagüar tantas idéias represadas. Entra em cena Jim Lee, artista contemporâneo de Rob Liefeld na Image Comics, com outra proposta faustiana: Moore teria carta branca para criar os títulos que quisesse, para que fossem englobados num selo próprio, o America´s Best Comics, e publicados pela WildStorm, de Lee, na época ainda sócio da Image. Moore aceitou e começou a trabalhar imediatamente, mas logo o projeto pareceu ameaçado com a venda da WildStorm para a DC Comics, para quem Moore havia jurado jamais trabalhar outra vez.
Porém as condições de trabalho oferecidas a Moore pela DC eram extremamente positivas, mantendo o escritor como detentor dos direitos de todos os personagens concebidos e com uma boa percentagem de retorno advindo de qualquer projeto derivado das séries, tais como produções cinematográficas ou linhas de brinquedos. Era uma proposta irrecusável e o roteirista lançou cinco títulos em 1999: The League of Extraordinary Gentlemen, uma brincadeira steampunk[10] sobre os personagens da literatura vitoriana; Tom Strong, que reaproveitava vários conceitos originalmente pensados para Supreme; Top Ten, uma série policial misto de Hill Street Blues com super-heróis; Tomorrow Stories, uma antologia de várias HQs de estilos diferentes e independentes entre si sob o mesmo título, e Promethea; o título mais ambicioso dos cinco, que Moore utilizaria como palco para dar uma verdadeira aula de esoterismo, tendo a Cabala como vertente principal.
Alexandria, 411 A. D. Uma menina foge de padres fanáticos que acabaram de chacinar seu pai, acusando-o de feitiçaria. Ele, para surpresa de seus algozes, morre feliz, agarrado a seu bordão em forma de caduceu[11].
Nova York, 1999 (não exatamente a Nova York de nossa realidade, mas um lugar onde discos voadores são um meio de transporte trivial, juntamente com táxis munidos de dispositivos antigravitacionais e outros aparelhos nada comuns aos habitantes de qualquer megalópole). Sophie Bangs, jovem estudante, prepara uma pesquisa sobre uma figura folclórica chamada Promethea. Sophie descobriu que o mesmo personagem, em várias épocas diversas que abrangem um período entre 1780 e 1999, foi tema de obras diferentes, em diversas mídias tais como poemas, romances, pulp fiction e até fotonovelas, por autores que nunca se conheceram e agora conseguiu marcar uma entrevista com a viúva do último artista a trabalhar no conceito. A reunião, porém, termina precocemente com um aviso da mulher:
"Listen, kid, you take my advice. You don't wanna go looking for folklore.And especially don't want folklore to come looking for you." [12]
Mas certas palavras já foram ditas, certos nomes pronunciados. O mal já está feito e a roda do universo está girando numa velocidade tal que logo Sophie Bangs é apresentada pessoalmente ao objeto de sua pesquisa: uma mulher obesa e decadente, porém poderosa, que a salva do ataque de um Smee, entidade fantasmagórica e letal enviada para evitar que a jovem pesquisadora vá mais fundo em seu trabalho.
A narrativa dá um salto de volta a Alexandria, em 411 A.D. e vemos a criança fugitiva do início da história, perdida no deserto, confrontando as figuras colossais de Thot, deus egípcio da comunicação, cuja cabeça tem a forma de um pássaro, o íbis, e Hermes, que porta um imenso caduceu ornado por serpentes vivas. Thot, por sua vez, traz na mão um Ankh, símbolo egípcio do deus único Aton. Eles são a encarnação de uma divindade dupla, Thot-Hermes, e oferecem abrigo e segurança à menina, contanto que ela atravesse com eles o véu que separa o mundo físico de seu reino, um lugar chamado Immateria, onde "ela viverá eternamente, como as histórias".Immateria, segundo as entidades, não é muito longe, mas está sempre "onde você se encontra" e, uma vez lá, a criança deixará de ser um ser humano e passará a ser uma "história" eterna e que, possivelmente, dentro de determinadas condições, poderá transpor o portal para o mundo físico, pois, afinal, "algumas vezs, se uma história é muito especial, ela pode arrebatar as pessoas". Só então as divindades gêmeas se lembram de perguntar o nome da criança. "Promethea", ela responde, antes de desaparecer no ar[13].
Se Ela não Existisse, Teríamos de Inventá-la
Podemos ver claramente a conexão entre Glory e Promethea. Immateria nada mais é que a Terra da Magia descrita anteriormente, reino da linguagem, da ciência, da comunicação, governado por Thot-Hermes. A partir daqui, Moore irá aprimorar os conceitos cabalísticos apresentados anteriormente, adaptando-os à genealogia de Promethea numa evolução do que imaginou para Glory, sem medo de utilizar uma linguagem menos acessível ao grande público e distanciando-se cada vez mais da iconografia super-heroística. Assim como o caduceu que herdou de Thot-Hermes, Promethea é uma personagem transcendente e, em conseqüência, rebela-se contra gêneros e catalogações.
O primeiro arco de histórias da série, que vai do número 1 ao 6, além de apresentar Sophie Bangs e o elenco de coadjuvantes, inicia, a partir do terceiro fascículo, a viagem de auto-conhecimento de Promethea, explorando o reino de Immateria. No arco seguinte, as várias esferas já apresentadas na sinopse de Glory serão visitadas. A peregrinação durará até o final do terceiro arco, no episódio 23, mas os primeiros seis números estarão focados nos diversos aspectos da entidade. O primeiro termina explicitando que Sophie é a nova encarnação de Promethea, em substituição à personagem obesa que confronta o Smee. Essa mulher, Barbara Shelley, explica à estudante quem realmente foi a Promethea original, a filha de um acadêmico hermético egípcio - ou melhor, um sacerdote de Hermes - que viveu no século V, e dá os nomes de cinco artistas que serviram como veículo para a conjuração da divindade.
Esses criadores, um poeta, uma cartunista, uma ilustradora, um quadrinista e um romancista, foram o canal por meio da qual a entidade atravessava até o mundo físico, mas o "combustível" que a alimenta é o amor. "Qualquer um com imaginação e entusiasmo suficiente pela personagem pode trazê-la de Immateria, apenas pensando em si próprio ou em outra pessoa encarnando o papel" [14],diz Barbara, viúva do último artista a conjurar Promethea, deixando claro que a mistura de imaginação, talento artístico e amor é o gatilho capaz de materializar um sonho.
Avatares Desbocados
O filósofo Maurice Merleau-Ponty afirma que, diferente da crença geral, a lingüagem vira as costas à significação, não se preocupa com ela. Ou seja, há uma independência subjacente à comunicação, cuja característica principal é uma diferenciação e sistematização de signos, seja nos fonemas, nas palavras ou em toda uma estrutura linguística. Uma coisa até pode levar à outra, mas isso não quer dizer que a função primordial dos signos seja estar à disposição dos significados. Os signos, ao que parece, têm uma agenda própria.
"Num certo sentido, a linguagem jamais se ocupa senão de si mesma. Tanto no monólogo interior como no diálogo não há pensamentos: trata-se de palavras suscitadas por palavras, e, na medida mesmo em que pensamos mais plenamente, as palavras preenchem tão exatamente nosso espírito que nele não deixam um canto vazio para pensamentos puros e significações que não sejam de linguagem" [15]
Essa independência entre signo e significado parace ser a mola motriz da série como um todo e aparece muito claramente quando, no terceiro número da série, no capítulo intitulado Misty Magic Land, ao visitar pela primeira vez o reino de Immateria, Promethea encontra uma encarnação física de Chapeuzinho Vermelho, que, apesar de aparecer como uma doce e angelical menina loura de dez anos de idade, fuma muito e fala palavrões como uma prostituta de beira do cais.
Moore parece fascinado por essa contradição já que esta é apenas a primeira de uma série de guias que Promethea irá encontrar em suas diferentes jornadas pelos planos cabalísticos. Esses avatares desbocados serão, em diferentes momentos, velhos feiticeiros garanhões, anjos em forma feminina e roupas masculinas, doces travestis transsexuais e até as duas serpentes do caduceu trocam gracinhas pouco condizentes com sua condição de entidades cósmicas. No capítulo seguinte, A Faerie Romance, somos apresentados às quatro últimas versões de Promethea, todas vivendo em Immateria e cada uma representando uma característica da personagem: musa, guerreira, amante e professora, todas passando a Sophie uma diferente significação para o uso do "verbo" como instrumento transformador. Se brandidas como lâmina, palavras cortam, separam os corpos dos homens de suas cabeças; por outro lado, durante as guerras, palavras podem ser a última inspiração, uma taça de esperança. Mas palavras também pertencem ao mundo material, são moedas para troca, compra, liberação de prazer físico e, finalmente, palavras podem ser um bastão, símbolo fálico masculino, varinha mágica, poder. Lâminas, taças, moedas e varas. Espadas, copas, ouros e paus. As cartas estão na mesa e, a partir do episódio 12, o jogo cósmico começa.
Anagramas Arcanos
Depois de dois números, respectivamente 8 e 9, onde combate as forças combinadas do inferno num clima absolutamente super-heroístico - quase como um lembrete aos leitores de que, no fundo, a revista faz parte dessa tradição - , Promethea dá uma guinada sem precedentes nos quadrinhos comerciais publicados nos Estados Unidos. Moore dedica uma revista inteira a uma cena de sexo tântrico entre a heroína e o vilão Jack Faustus na história entitulada Sex, Stars and Serpents. Não que isso fosse alguma novidade para o autor: quem lembra de sua fase áurea em Swamp Thing, da DC, nos anos 80, sabe que ele já havia abordado o tema sexo entre diferentes de forma bastante ousada para a conservadora mídia estadunidense, com sucesso. Mas dessa vez Moore, com o auxílio inegável do ilustrador J. H. Williams III, foi bem mais longe, com cenas explícitas de cunilíngüus, variações de posições e orgasmo, sem, contudo, escorregar no mau gosto pornográfico. Essa edição, que narra passo-a-passo um intercurso sexual pautado sobre citações mais ou menos óbvias tais como a serpente kundalini, o poder simbólico de camas e cavernas e como a humanidade pode comungar através do ato, foi indicada ao Eisner 2001 como melhor história individual.
Depois dessa pausa para descanso, temos mais uma aventura do tipo "heroína-derrota-o-vilão-do-mês", no número 11, que serve de preparação para a grande jornada que virá a seguir, com Promethea percorrendo todos os 12 reinos que congeminam as casas do zodíaco e os arcanos maiores do tarô, um por mês, durante um ano.
Logo no primeiro número da saga, Moore utiliza um artifício para relacionar a personagem a cada carta do tarô, produzindo anagramas com a palavra Promethea relacionados às 21 imagens ou aos conceitos inerentes durante as 24 páginas da edição.Assim, Metaphore é o termo representativo do Louco; Pa Theorem remete ao Mago; Mater Hope é a Sacerdotisa; A Pert Home casa com a Imperatriz e Rope Thema é o Imperador; Ape Mother é o Hierofante; Me Atop Her é a carta dos Amantes; O Mere Path, o Carro; A Pro Theme vem com a Temperança; Here Tempo, o Eremita; Eh, Tempora é a Roda da Fortuna; A carta Força corresponde a O Harem Pet; Hm Operate é o Enforcado, enquanto a Morte é O Reap Them; A Arte é Emote Harp, o Diabo é The Mop Era, a Casa de Deus é Metro Heap; A Estrela é Map O Ether, a Lua, Earth Mope, e o Sol é Meth Opera; O Julgamento é Meet Harpo, e, finalmente, o Mundo é Heart Poem.
Cada uma dessas reescrituras do nome "Promethea" descortina um dos sentidos dos arcanos e ajuda a traçar um resumo da história da humanidade desde seus primórdios até o fim inadiável - que, segundo as serpentes do caduceu, ocorrerá no ano 2017 - até o recomeço, quando a carta do Louco mais uma vez for descartada do baralho.
Sophie, assim como o leitor, tem agora um panorama, um mapa do futuro. Basta decidir que caminho seguir.
Sephiroths
Curiosamente, foi neste momento que a série perdeu mais leitores. Os fãs reclamaram de um possível proselitismo da parte de Moore, como se estivesse tentando atrair os leitores para sua visão de religião, e alguns tarólogos apontaram possíveis erros de interpretação nos significados das cartas, mas Moore não se intimida e prossegue apesar das críticas, afirmando: "Em termos de energia mental, sinto-me como se tivesse 15 anos. Descobri a magia quando precisava dela, e tem sido imensamente útil. A magia é o viagra criativo"[16].
O capítulo 13 atesta o início do reaproveitamento do que Moore imaginou para a série Glory, da Awesome Entertainment, dentro de Promethea. Está de volta a Árvore da Vida, a Yggdrasil nórdica, além da primeira citação direta à Cabala nas páginas da série.
Promethea mostra à sua amiga Stacia um diagrama da Árvore, com todas suas esferas devidamente numeradas, desenhado no chão como se fosse um jogo de amarelinha.
"This is like a map, or maybe a circuit board. It's the structure of things, whether that's the universe or each individual human soul. It's an old hebrew knowledge system called kaballah. It's intended to encode all conceivable existence in a single glyph." [17]
E assim, durante um ano Promethea viajou por todos os aspectos - chamados sephiroths, ou muito apropriadamente, letra em hebraico - derivados de Yggdrasil. Foi ao círculo lunar, reencontrou Thot-Hermes no círculo dedicado à comunicação, onde Moore aproveita para dar uma demonstração de metalinguagem fazendo Hermes afirmar que a melhor maneira de se compreender os deuses é por meio de ficções ilustradas - como as histórias em quadrinhos - e propõe, encarando fixamente o próprio leitor, que algumas ficções podem estar efetivamente vivas [18].
Promethea conhece o poder das emoções no reino aquático de Afrodite e fica frente a frente com Jesus no ponto mais alto do plano apolíneo. Descobre que Marte não é apenas o deus da guerra, mas também da força, da estratégia, do julgamento frio. A quarta esfera, Chesed, é a morada dos patriarcas, dos pastores, e onde Promethea e Sophie encontram seus pais perdidos e onde a menina se separa de seu duplo mítico para seguir viagem.
E então, no número 20, há o Abismo, onde Sophie descobre que pode haver um sephiroth esquecido entre o quarto e o terceiro. Um número que pode ser infinito: Pi, um buraco no tronco de Yaggdrasil, por onde criaturas lovecraftianas espreitam. O sugestivo título The Wine of Her Fornications antecede a entrada de Sophie em Binah, o templo da feminilidade, onde se reencontra com Promethea. Este é o templo da Mãe Primordial, assim como Chesed é o sephiroth do Pai, aquela que não é uma só, mas três aspectos complementares: Babalon, a prostituta; Maria, a virgem, e Isis, aquela que dá a luz ao Salvador e inicia a rota para o Apocalipse.
O capítulo seguinte, Et In Arcadia Ego...[19], finaliza a peregrinação da heroína Promethea pelas ramificações da Árvore da Vida, simultaneamente retomando ao início da jornada no encontro com a figura do arcano Louco, do Tarot. Promethea e o espírito de sua amiga Bárbara fecham o ciclo subindo uma escadaria rumo à face de Deus. Sim, você leu corretamente. O Deus.
Deo Gratias
O número 23 finaliza a viagem com uma edição atípica. The Serpent And The Dove narra a caminhada de Sophie/Promethea e Barbara por dentro de "Deus" e é uma empreitada que desafia os cânones da narrativa visual tradicional com páginas de leitura circular, esboços em lugar de desenhos finalizados como parte do desenvolvimento da história e monocromia representando a Luz Divina. A identificação de Deus como um
Aleph, um ponto/momento eterno, síntese de tudo que há, ocupa uma página dupla onde mandalas e cenas cotidianas se alternam em círculos concêntricos que desaguam numa visão externa da Árvore da Vida, onde alguns dos sephiroths são planetas do sistema solar.
E assim, fazendo o caminho por fora do tronco de Yggdrasil, flutuando pelo espaço, Promethea volta para casa e para aventuras de cunho mais "super-heroístico" a partir do episódio 24, mas, ao que parece, o pano de fundo cabalístico estará no cerne da personagem até o fim.
Aliás, olhando em perspectiva, esse parece ser um tema recorrente na obra de Moore há pelo menos dez anos: Hórus-Hermes faz uma breve aparição nas últimas páginas de From Hell, a biografia de Jack, O Estripador [20]; é em Supreme que o conceito da Immateria aparece pela primeira vez, com o nome de Ideaspace [21]; a graphic novel The Birth Caul lida com a idéia de uma linguagem ancestral que guiaria os caminhos de uma cidade, no caso, Londres, em paralelo com os indivíduos que nela residem[22], assim como acontece no romance A Voz do Fogo[23] e, mais uma vez, em From Hell. Ou seja, parece que a recorrência da Cabala vai além de uma febre passageira e o autor está decidido a percorrer o caminho da Árvore da Vida várias vezes. Só nos resta esperar que sempre haja lugar para mais um nessas jornadas.
[1] [voltar]Cabala ou Qabalah é a tradição mística do Judaísmo emersa por volta do ano 1200 em Provence, França, que busca ordenar o universo por meio de múltiplas combinações de números e letras, como uma "receita" para a Criação. Graças ao Sepher Yetsirah, Livro da Criação, séculos II e IV, alcançou grande prestígio entre osestudiosos, postulando o princípio que a letra, emanação do poder divino, é também a assinatura das coisas e as combinações entre várias letras remeteriam à estrutura do cosmo.
[2] [voltar]A palavra golem figura pela primeira vez no Livro dos Salmos, Salmo 139, versículo 16. Interpreta-se em geral esse salmo como sendo as palavras do homem que agradece a Deus por havê-lo criado e que rememora para si as diferentes fases de sua criação : 'Meu golem, Teus olhos o viam'. O termo golem toma aqui simplesmente o significado de 'embrião', que é o significado que tem em hebraico. Mas pode-se também conceber que é Adão quem fala (o que não tardou em ser feito pelos exegetas) e que ele revive os episódios correspondentes do Gênesis. Nesse caso, o golem recebe uma carga de determinações suplementares. Ele é uma massa de terra inerte do corpo de Adão antes de lhe ser insuflado o pneuma divino, a terra ainda não habitada pelo espírito e que aguarda ser vivificada pelo soprovital. - MATIERE, Catherine. Golem, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 - 2ª edição, p. 407/408
[2] [voltar]A palavra golem figura pela primeira vez no Livro dos Salmos, Salmo 139, versículo 16. Interpreta-se em geral esse salmo como sendo as palavras do homem que agradece a Deus por havê-lo criado e que rememora para si as diferentes fases de sua criação : 'Meu golem, Teus olhos o viam'. O termo golem toma aqui simplesmente o significado de 'embrião', que é o significado que tem em hebraico. Mas pode-se também conceber que é Adão quem fala (o que não tardou em ser feito pelos exegetas) e que ele revive os episódios correspondentes do Gênesis. Nesse caso, o golem recebe uma carga de determinações suplementares. Ele é uma massa de terra inerte do corpo de Adão antes de lhe ser insuflado o pneuma divino, a terra ainda não habitada pelo espírito e que aguarda ser vivificada pelo soprovital. - MATIERE, Catherine. Golem, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 - 2ª edição, p. 407/408
[3] [voltar]"Jeremias e seu filho Ben Sira, com a ajuda do Livro da Criação, puseram no mundo um Golem e sobre sua fronte estava escrito: emeth, "verdade", como o nome que Deus pronunciou diante da criatura para mostrar que sua criação estava consumada. Mas o Golem apagou a primeira letra (aleph), para mostrar que somente Deus é verdade, e morreu."- op. cit., p. 408
[4] [voltar]GAIMAN, Neil. Introduction, in Kurt Busiek's Astro City: Confession. USA: Image Comics, 1907. 1ª edição, p. 10/11.
[5] [voltar]Gotterdamerung, o Crepúsculo dos Deuses, é, entre outras coisas, a última parte da tetralogia wagneriana O Anel dos Nibelungos, e conta como os deuses nórdicos - Wotan, Freya, Brunhilde, Sigfried, Logé - encontram seu trágico fim, enredados numa trama de mentiras e traições.
[6] [voltar]"(...) não há necessidade de resumir aqui as histórias de que o Hermes grego, o Mercúrio latino, é o protagonista, o herói ou o figurante. Basta lembrarmos algumas passagens que põem em destaque certos traços constantes (...). Dois dentre eles ressaltam de um fato conjunto: por um lado, sua função de guia, ligada à sua mobilidade; por outro, seu domínio do discurso e da interpretação, garantia de um certo tipo de saber". - FAIVRE, Antoine. Hermes, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 - 2ª edição, p. 452
[7] [voltar]Hermes Trismegisto, que significa "três vezes grande", teria sido o nome de um mortal, filho de Agatodêmon, descendente de Thot, a divindade egípcia do conhecimento. Veremos mais tarde que ambas divindades podem ser percebidas como duas vertentes do mesmo mito, mas outras genealogias são consideráveis. Santo Agostinho, por exemplo, afirma ser o Trismegisto o tataraneto de um contemporâneo de Moisés em A Cidade de Deus, e Brunetto Latini coloca-o lado a lado com Moisés, Sólon, Licurgo, Numa Pompílio e o rei grego Foromeucomo um dos principais legisladores da antiguidade.
[8] [voltar]MOORE, Alan. Judgement Day Sourcebook. USA: Awesome Entertainment, 1997 - 1ª edição, p. 8
[8] [voltar]MOORE, Alan. Judgement Day Sourcebook. USA: Awesome Entertainment, 1997 - 1ª edição, p. 8
[9] [voltar]"Supunha-se que todo o universo era sustentado pelo gigantesco freixo Yggdrasil, que nascera do corpo de Ymir - o gigante do gelo -e tinha raízes imensas, uma das quais penetrava em Asgard, outra no Jotunheim (morada dos gigantes) e a terceira no Niffleheim (regiões das trevas e dofrio). Ao lado de cada raizhavia uma fonte que a regava. A raiz que penetrava em Asgard era cuidadosamente tratada por três Norns, deusas consideradas como donas do destino. Eram Urdur (o passado), Verdande (o presente) e Skuld (o futuro). A fonte ao ldao de Jotunheim era o poço de Ymir, no qual se escondiam a sabedoria e inteligência, mas a do lado de Niffleheim alimentava Nidhogge (escuridão), que corroía a raiz perpetuamente. Quatro veados corriam sobre os ramos da árvore e mordiam os brotos; representavam os quatro ventos. Sob a árvore, ficava estendido o Ymir e, quando ele tentava livrar-se de seu peso, a terra tremia." BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia, Histórias de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2000 - 9ª edição, p. 381/382
[10] [voltar]Steampunk é um derivado da ficção científica literária, geralmente ligado ao subgênero da história alternativa, que tem como características os cenários vitorianos e as tecnologias de caráter retrô, tais como locomotivas e dirigíveis, geralmente ligadas ao uso do vapor e da eletricidade como fonte de energia. Tem como alguns expoentes literários os autores Tim Powers (The Anubis Gates), Kim Newman (Anno Dracula) e a dupla William Gibson e Bruce Sterling (The Difference Engine), que foram considerados os inventores do Cyberpunk. Já nos quadrinhos, além de Moore, temos Joe Kelly e Chris Bachallo (Steampunk), Boaz e Erez Yakin (The Remarcable Works of Professor Phineas B. Fuddle), Randy e Jean-Mark Lofficier (Robur) entre muitos outros.
[11] [voltar]O caduceu, varinha portada por Hermes em torno da qual duas serpertes aparecem enroladas, é um símbolo de transcendência e terapêutica, tanto que até hoje é considerado umrepresentativo da classe médica, já que Asclépius, filho de Apolo e deus da medicina, também a utilizava como instrumento de cura. O caduceu, ou herma, também é considerado como um símbolo de fertilidade, sendo constantemente associado a falos eretos, mas também à fertilidade do espírito, da transcendência. A mescla da serpente, animal rasteiro, com o capacete e as sandálias aladas ajudam a compreender o caráter composto da divindade Hermes, que faz a comunicação das coisas terrenas com a esfera superior.
[12] [voltar]MOORE, Alan. Promethea #1: The Radiant Heavenly City. USA: America's Best Comics, 1999 - 1ª edição, p. 9
[13] [voltar]O cerne da lenda de Prometeu, o titã que ousou roubar o fogo celeste e terminou acorrenteado e com o fígado picado por uma éguia eternamente, manteve inalterado durante séculos, mas certas evoluções concernentes à personalidade do mito foram notadas a partir do Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, escrito entre 467 e 459 A. C. O dramaturgo helênico foi o primeiro a emprestar ao titã transgressor uma característica civilizatória: ele haveria roubado o fogo de Zeus para cedê-los aos homens, para dar-lhes oportunidade de evolução. Parece-nos que foi esse o viés escolhido por Alan Moore ao construir sua Promethea, que também é portadora de um caduceu, cujas serpentes vivam e convolutas resplandecem com brilho interior. Uma entidade que, apesar de fisicamente superior ao homem comum, se manifesta por meio do princípio criador da humanidade, a chama artística, e se levanta contra o obscurantismo, as forças do caos desordenado, caixa de Pandora representada por vários personagens vilanescos, principalmente o enlouquecido 'omnipata' andrógino Painted Doll e o prefeito da cidade, Sonny Baskerville, cuja mente é lar de toda uma comunidade infernal. Ao combater essas forças, a Promethea de Moore não apenas aproxima os céus do homem, mas funciona como termômetro para o caminho contrário, evidenciando a evolução constante da humanidade em direção ao divino.
[14] [voltar]MOORE, Alan. Promethea #1: The Radiant Heavenly City. USA: America's Best Comics, 1999 - 1ª edição, p. 24
[15] [voltar]MERLEAU-PONTY, Maurice. O Algoritmo e o Mistério da Linguagem, in A Prosa do Mundo. São Paulo, SP: Cosa&Naify Edições, 2002 - 1ª edição, p. 147
[16] [voltar]MOTA, Pedro. ABC, in Alan Moore: Argumentos; GOUVEIA, Cristina (org.). Amadora, Portugal: Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/Câmara Municipal de Amadora/Editora Devir, 2002 - 1ª edição, p. 42
[17] [voltar]MOORE, Alan. Promethea #13: The Fields We Know. USA: America's Best Comics, 2001 - 1ª edição, p. 10
[18] [voltar]MOORE, Alan. Promethea #15: Mercury Rising. USA: America's Best Comics, 2001 - 1ª edição, p. 18 e 19
[18] [voltar]MOORE, Alan. Promethea #15: Mercury Rising. USA: America's Best Comics, 2001 - 1ª edição, p. 18 e 19
[19] [voltar]A frase Et In Arcadia Ego... aparece em uma série de pinturas produzidas durante a Renascença das quais a mais conhecida é um quadro de Pussin que retrata um grupo de pastores observando uma lápide com a inscrição cuja interpretação correta é, segundo o crítico de arte Erwin Panofsky, "A Morte Existe Mesmo na Arcádia". Isso significa que, mesmo no lugar que Virgílio considerou como o mais idílico da criação, há a possibilidade de infelicidade, de sofrimento, e, conseqüentemente, de completitude. No caso de Promethea, Moore quer simbolizar o último sephiroth, o lar do Deus Único, ou, como ele chama, do "I".
[20] [voltar]MOORE, Alan. From Hell#14: Gull Ascending. Australia: Eddie Campbell Comics/Top Shelf Comics, 1999 - 1ª edição, p. 22
[21] [voltar]MOORE, Alan. Supreme #45: The Age of Gold. USA: Awesome Entertainment, 1997 - 1ª edição
[22] [voltar]MOORE, Alan. The Birth Caul. Australia: Eddie Campbell Comics, 2000 - 1ª edição
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